13 de set. de 2009

Eis aqui!


Ninguém que a visse suspeitaria que estava descontrolada. Havia o infeliz impulso inseguro de esbofetea-lo, não com as mãos, com as palavras e com tudo mais que pudesse transparecer seu olhar. Por dias escondeu-se de seus olhos, seus braços e seu cheiro. Hoje cheirava diferente, cheiro doce e enjoativo que repugnava, causava ânsia... Cravou a unha do indicador por trás da unha do polegar e pressionou, com toda a força para ter forças de não correr dali. Sentira saudades do seu velho perfume, ou da falta dele, sentiu saudades do bem, de todo aquele bem que voou livre e um dia pousou de para-quedas sobre eles.
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As mãos tornaram-se ásperas e amarelo-gelo os sorrisos. As perguntas dele soavam timidamente seguras e a faziam repensar as respostas, omitir e gaguejar. O dócil animal trazia o coração nos olhos doces, agora inquietos, húmidos e cegos, pelos quais ela estremecia de amor e hesitação. Antes que pudesse evitar olhou-o aflita: "Eu não sei te amar!" Mas a frase que saíra apressada de sua boca, pairou no ar gelado, e as palavras foram desfazendo-se, caíram as letras, uma por uma junto a chuva, sem ele nada poder ouvir.
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Falavam de relógios. Queria ser dona do tempo, das razões e do destino, ter a certeza de estar fazendo tudo da melhor maneira possível. Deu-se conta que a palavra 'possível' é leve, e a 'impossível' carrega o peso do céu, o que a torna fantasticamente atraente. Foi por isso que se apaixonou por ele? Apaixonou-se por ele ou pela impossibilidade de tê-lo?
Os dilemas... E toda vez que decidia-se a desembaçar o retrovisor daquela relação, apertavam os arames farpados em sua língua, contraia-se em medos o coração.
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Os passos estrondavam em sua cabeça, durante o trajeto ele contava algo, mas as palavras chegavam até ela emboloadas, indecifráveis. Mantinha um silêncio infeliz de voz e atos, sentindo-se obrigada a reatar o convívio, então começou a falar o que lhe viera a cabeça, reprimio-se ao perceber que falava da companheira, reprimio-se ao sentir-se reprimida com o sopro do seu triste olhar. Trágica tentativa de unirem-se através de assuntos cordiais do dia-a-dia. Pouco lhe importava toda vastidão de reuniões e projetos e diabos à quatro em que ele estivera enfiado e ele deveria detestar as fúteis ideologias banhadas de amigos libertinos, festinhas e drogas, dela.
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As coisas tomaram um rumo bem previsível a atenta plateia que os assistia. De longe, qualquer ser são poderia notar a diferença entre eles - Mas e daí, amar não é tudo que importa?! Que assim seja! Mas não foi... Tanto mais vem a importando, o ar vem tornando-se sufocante e irrespirável, pois ela não sabe os porquês, nem os quereres. Se soubesse seria mais fácil de ir, ou não. Mas ao menos saberia, o que já é um começo.
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Detesta-se todos os dias por fazê-lo duvidar de seu amor, e pior, fazê-lo sofrer no escuro em que ela própria apagou as luzes. De todos os defeitos que reconhecia ter, só não queria por hora ser egoísta, assim permitindo-se compartilhar toda sua desordem com ele. Todavia, debruçavam-se sobre ela irreverssivelmente todos os defeitos de uma criatura mundana. Chorava por dentro, chorava tanto que nem parecia chorar ela mesma.
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Andou em círculos por dias a fio, sem nada clarear-lhe o caminho. O mundo inteiro girava em seu peito arrebatadoramente, sem ela saber se por faltas ou excessos. Enterrava-se em seu eu e imóvel deixava-se morrer, morreu por algumas horas, acumulou incertos números de horas que formariam dias, até que mudou-se para um lugar que de tão apertado torno-se imenso de possibilidades e opções e decisões a partir dele. Vagava por lá arrastando as mãos pelas paredes, perdida, tentando achar-se. Fugindo de si mesma.

5 comentários:

Pequen(A)mar disse...

poderíamos nos encontrar

Pequen(A)mar disse...

podemos

Pequen(A)mar disse...

começastes a escrever de tarde, mas só publicaste pouco antes de ires embora?

Pequen(A)mar disse...

suas palavras são lindas, no fim das contas

Fernanda Protásio disse...

Nunca tinha imaginado que você escrevia tão bem ... (até alguém me mandar o link, claro, rs)

Sim, sou eu, a Fernanda... Conheces meu jeito de escrever? E...



Lembra da cor dos meus olhos?
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